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quarta-feira, setembro 03, 2008

A loucura

"Os leitores são umas putas, amam-nos e depois deixam-nos."

Começando com esta frase só poderia estar a falar do senhor António Lobo Antunes, romancista e psiquiatra, escreve de uma forma livre, sem pudores ou convencionalismos e usando e abusando de metáforas e de conceitos médicos e psiquiátricos. Fascinam-me as comparações e a maneira como nos introduz ao mundo esquizofrénico das vivências psiquiátricas. Por vezes leio e releio as frases numa tentativa de compreender o que realmente lá está escrito de tão denso ou abstrato as coisas me parecem. Memória de elefante é o que ando a ler... escrito em 1979 e tão actual. 24 horas no dia de um psiquiatra passadas entre o Hospital Miguel Bombarda e um bar. Talvez por conhecer tão bem o sítio, pelas experiências que lá vivem serem tão facilmente identificadas torna-se um livro que não consigo parar de ler. É o meu mundo. Tão bem explicado nas palavras de alguém que também tem de ser um pouco louco para o compreender.

Aqui ficam algumas das suas citações: Não de livros mas de entrevistas....sobre a loucura!
"O que é escrever? No fundo é estruturar o delírio, e tem graça porque quando se trata o delírio o que aparece sempre é uma depressão subjacente."
"Um amigo meu, o Daniel Sampaio, talvez o melhor psiquiatra português, costuma dizer que só os psicóticos são criadores. Você fala com um neurótico e são tipos que não são nada, que são chatos, repetitivos. Os psicóticos são espantosos, dizem frases espantosas, estou-me a lembrar de uma que era «aquele homem tem uma voz de sabonete embrulhado em papel furtacores». Isto é uma frase do caraças."

in Expresso, 7 de Novembro de 1992
"(...) penso no absurdo de escrever. De estar a escrever quando podia estar com os amigos, ir ao cinema, ir dançar que é uma coisa de que gosto... mas não, um tipo está ali e é um bocado esquizofrénico. (...) Há sempre uma parte subterrânea nas obras de arte impossível de explicar. Como no amor. Esse mistério é, talvez seja, a própria essência do acto criador. (...) Quando criamos é como se provocássemos uma espécie de loucura, quando nos fechamos sozinhos para escrever é como se nos tornássemos doentes. A nossa superfície de contacto com a realidade diminui, ali estamos encarcerados numa espécie de ovo... só que tem de haver uma parte racional em nós que ordene a desordem provocada. A escrita é um delírio organizado."
in Jornal de Letras, Artes e Ideias, ano I, nº23, Janeiro de 1982
"No fundo o que é enlouquecer? É sair de uma determinada norma, não é? É preciso muita coragem para se ser realmente louco."
in O Jornal, 30 de Outubro de 1992
"No fundo o que é um maluco? É qualquer coisa de diferente, um marginal, uma pessoa que não produz imediatamente. Há muitas formas de a sociedade lidar com estes marginais. Ou é engoli-los, transformá-los em artistas, em profetas, em arautos de uma nova civilização, ou então vomitá-los em hospitais psiquiátricos."
in Público, 18 de Outubro de 1992

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